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Projecto: Os ritmos tradicionais do Cabo Verde

Neste Site faço um relatório regular sobre os progressos feitos na minha documentação dos ritmos cabo-verdianos. Aqui o leitor fica também a saber um pouco sobre o país e o seu povo, como também sobre algumas experiências pessoais que eu tive durante as minhas viagens pelo arquipélago.


O meu interesse por Cabo Verde foi despertado, entre outras razões, através do álbum de estréia de Mayra Andrade, intitulado “Navega”. Até á data só conhecia a Césaria Évora, a cantora mais famosa de Cabo Verde, conhecida como a rainha da morna, um gênero musical tradicional do país. Esta música com um tom melancólico é também muito bonita, mas o álbum de Mayra Andrade mostrou-me, porém, que nas ilhas cabo-verdianas há muito mais para ser descoberto. A partir daí comecei a ouvir cada vez mais música cabo-verdiana, e o meu fascínio por este pequeno arquipélago no Atlântico não parou de crescer.

Logo tomei consciência do quanto é necessário fazer uma documentação dos ritmos cabo-verdianos, antes que muitos deles desapareçam para sempre. E assim, após a publicação dos meus livros sobre os ritmos tradicionais do povo Malinké (do Oeste da África), em 2005 e dos ritmos brasileiros, em 2007, acabei por escolher o Cabo Verde e a sua música como novo tema de pesquisa.

Seguiram-se uma série de coincidências felizes. Em Janeiro de 2008 conheci o cantor cabo-verdiano Mário Lúcio, aquando da sua turnê pela Alemanha. O Mário, para além de ser um dos compositores mais prestigiados das ilhas, é também um grande conhecedor da historia da música do seu país. No nosso primeiro encontro falei-lhe da minha intenção de querer documentar sistematicamente os ritmos tradicionais de Cabo Verde, através de gravações, de digitalizações e da descrição dos instrumentos, tendo em conta o contexto histórico e cultural do país. O cantor ficou encantado com a minha idéia, porque ele próprio já tinha pensado no mesmo, no entanto sem ter tido a oportunidade de concretizar tal projecto. Em Maio do mesmo ano fiz a minha primeira visita a este país maravilhoso, onde tive a sorte de conhecer outros artistas cabo-verdianos ligados à música. E agora, um ano mais tarde, o meu projecto encontra-se em pleno desenvolvimento e eu já recolhi muitas horas de material sonoro, estando neste momento a fazer a sua transcrição musical.

Mas antes que eu apresente os ritmos mais importantes, gostava de fazer primeiro uma pequena excursão através da historia de Cabo Verde.

Historia de Cabo Verde

Cabo Verde é um arquipélago de origem vulcânica, constituído por dez ilhas de uma rara beleza natural. Situado no oceano Atlântico, a 500 milhas da Costa da África Ocidental, o arquipélago pertence geograficamente á região do Sahel.

Descoberto por navegadores portugueses em 1460, e colonizado dois anos mais tarde por Portugal, o Cabo Verde foi durante os séculos XVI e XVII um importante entreposto transatlântico de escravos. Vindos de várias Regiões da África, os escravos passavam algum tempo nas ilhas, onde aprendiam uma profissão e os rudimentos da língua portuguesa e eram cristianizados. Depois eram vendidos com muito lucro para o Novo Mundo.

Desde muito cedo se desenvolveu nas ilhas uma língua própria, com base numa mistura entre o Português e diversas línguas africanas. Esta nova língua, denominada de crioulo cabo-verdiano, é falada até os dias de hoje pela população de Cabo Verde, e o que é muito interessante, cada uma das dez ilhas do arquipélago tem um crioulo diferente. Actualmente encontra-se o Crioulo num processo de normalização (criação de uma norma) e discute-se o seu estabelecimento como segunda língua oficial, ao lado do português.

No século XVIII assumiram outras potências européias a liderança do tráfico de escravos, iniciando assim a decadência do país, decadência essa, que foi acelerada por numerosos ataques e saqueamentos de piratas ingleses, franceses e holandeses.

Principalmente na ilha de Santiago, muitos escravos recusaram-se a trabalhar para os seus donos e fugiram para as montanhas no interior. Os fugitivos começaram a ser chamados de vadios pelos portugueses e ganharam injustamente a fama de ser preguiçosos ou mandriões. Na língua crioula, a palavra vadio passou a ser badio, o nome por que são conhecidos ainda hoje os habitantes de Santiago. Os portugueses concentraram as suas actividades comerciais no litoral e nunca conseguiram o controle absoluto da ilha inteira.

No século XIX, os ingleses estabeleceram na ilha de São Vicente um enorme armazém de carvão para o fornecimento de barcos a vapor, e aqui foi também instalado o primeiro cabo marítimo transatlântico para a America do Sul. Depois de um curto período de grande expansão econômica, perderam os portos do Cabo Verde no século XX, a sua importância estratégica, devido ao fim da navegação a vapor. Longos períodos de seca forçaram muitos cabo-verdianos a emigrar para o estrangeiro.

No ano 1975 foi concedida a independência de Cabo Verde pelos Portugueses, e hoje em dia, este é um país democrático, em paz social, que se tornou também muito interessante para investidores internacionais. Principalmente o sector do Turismo tem registado nos últimos anos um crescimento considerável. Ao mesmo tempo cresce também o interesse pela cultura do país, a qual pode ser considerada com toda a razão, como única.

A característica principal da cultura cabo-verdiana é sem dúvida a mistura de influências européias e africanas. Ao contrario de outros países na America do sul e no Caribe, onde também a combinação de influências européias, africanas e indígenas deu origem a formas de expressão totalmente novas, ocupa o Cabo Verde uma posição de destaque, já que as ilhas eram desabitadas aquando da sua descoberta pelos portugueses. O país permite por este motivo, o estudo dos processos de crioulizacao na sua forma mais pura, sem ser preciso ter em consideração a influência dum povo nativo, como acontece no caso da America.

Com a obtenção da soberania política do país, ganha a questão da identidade cultural e nacional de Cabo Verde, uma nova dimensão. Durante o período do colonialismo português, fazia-se uma diferenciação clara entre impulsos artísticos desejáveis e outros menos apreciados ou indesejáveis. Tolerados eram só os estilos de música, cuja origem fosse claramente européia. Música e dança com forte influência africana eram rejeitadas e até mesmo chegaram a ser categoricamente proibidas. Esta é a faceta da cultura cabo-verdiana, que permite demonstrar claramente os processos de mistura das influências africanas e européias.

Até ao dia de hoje encontra-se Cabo Verde num processo de procura da sua identidade, e por sorte já existem uma série de pesquisas sistemáticas sobre este tema. Mas uma análise científica nas áreas da música tradicional ainda não foi feita.

Outra particularidade do arquipélago é a história do povoamento das ilhas. Santiago foi a primeira ilha a ser povoada pelos portugueses, seguida das ilhas Fogo, Brava e Maio (Ilhas do Sotavento). As ilhas mais ao norte (Ilhas do Barlavento), como por exemplo, Santo Antão, São Vicente e São Nicolau, foram povoadas a partir dos finais do século XVIII, não só por emigrantes europeus, como também por habitantes das ilhas do Sotavento. Por este motivo, os ritmos tocados no Barlavento têm uma certa semelhança com os ritmos tocados no Sotavento. O estudo destes ritmos deixa igualmente reconhecer os processos de evolução sofrida. Certos elementos foram adoptados, outros foram esquecidos e outros novos vieram juntar-se aos ritmos tradicionais.

O objectivo principal da nossa documentação é fazer o registo sistemático dos ritmos tradicionais, com o fim de preservá-los para as generações seguintes. Muitos dos músicos tradicionais já têm mais de 70 anos e em muitos casos, são apenas estes que ainda têm o conhecimento geral dos ritmos.


Ilha de Santiago

Santiago é conhecida como a ilha mais africana de Cabo Verde, e o mesmo se pode dizer também sobre a sua música. Os três estilos principais são o Batuko, o Funaná e a Tabanka.

O Batuko, que quer dizer batida, é o género musical característico da ilha de Santiago e de raízes indiscutivelmente africanas.

A música começa com as batucaderas, um grupo de mulheres sentadas em semicírculo num espaço denominado de terrero, as quais começam a bater ritmicamente nos tambores de construção própria. Antigamente utilizavam-se tiras de pano enrolado a fazer de tambor, sendo este colocado sobre as pernas das mulheres. Hoje em dia põem-se as tiras de pano dentro de sacos de plástico, ou atam-se com fita adesiva, para poder obter-se um som melhor. Estes instrumentos tradicionais produzem conjuntamente, uma música polirítmica muito diversificada (3 sobre 2 como motivo base). A canção começa com a batucadera líder do grupo, que canta um trecho e as outras respondem em coro, enquanto continuam a bater. Os textos das canções são improvisados e abordam temas diversos, desde assuntos da vida quotidiana até reflexões filosóficas sobre a vida. À primeira fase mais lente, denominado de Finaçon, segue-se a Tchabéta, uma fase mais vivaz, favorecida pela batida frenética das batucaderas, até chegar a um estado de êxtase, o Torno, durante o qual as bailarinas dançam de uma maneira muito sensual e parecem cair em transe. Este é o momento culminante do batuko.


Gruppe Terrero Batuco

Gruppe Terrero Batuco

As Batucadeiras de Terraros dos Orgãos no Quintal da Música, Praia (Santiago)

Gravado no dia 14 de Maio de 2008, no Quintal da Música
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Tabanka

Tabankas são associações complexas, com base na solidariedade e ajuda mútua entre os seus membros, por exemplo, em situações de necessidade tais como a morte, o casamento ou a construção da casa. Nas procissões anuais das Tabankas em honra dos santos padroeiros, manifestam-se também outros elementos de carácter místico e religioso. Os instrumentos utilizados nos desfiles são o tambor e o búzio, uma concha marinha soprada ao ritmo da música. Ao ritmo base hipnótico dos Tambores vem juntar-se o som de pelo menos três búzios, em registo grave, médio e agudo. Estes cortejos fazem lembrar um pouco o carnaval, porque os participantes desfilam com trajes extravagantes, cantando e dançando pelas ruas, cada um deles representando um elemento da sociedade. No cortejo não pode faltar o rei da tabanca, a rainha, o cativo, o médico, o ladrão, o juíz, os soldados e o doido.


Tabanco Tambor Tabanca Buzios

Tamboreiro e Tocadores de búzio da Tabanka de Varzéa, Praia, ilha de Santiago.

Gravado no dia 22 de Outubro de 2008, no bairro de Varzea, Praia, ilha de Santiago
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Funaná

Funaná é a forma clássica da música de dança, da ilha de Santiago. Os instrumentos utilizados são o acordeão diatonico e o ferrinho, uma barra metálica, que mede mais ou menos 80 cm, e que é raspada com uma faca de cozinha, produzindo assim um timbre intenso metálico. Os grupos de Funaná recentes, como por exemplo, o grupo Ferro Gaita, procedentes da Capital Praia, utilizam adicionalmente a guitarra baixa, bateria e percussão.


Code di Dona und Lucio Ferrinho

Codé di Dona, um mestre de Funaná mais o seu filho Lucio ao ferrinho

Gravado no dia 21 de Outubro 2008, na sala de estar de Codé di Dona
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Ilha do Fogo


A ilha do Fogo foi a segunda ilha a ser colonizada permanentemente pelos portugueses, sendo a única ilha de Cabo Verde que tem um vulcão ainda activo, o Pico de Fogo, com uma altitude impressionante de 2830 metros. Os seus habitantes são considerados como muito cumpridores das suas tradições. Todos os anos é celebrada a Festa da Bandeira com muita pompa, na qual se misturam de maneira única, elementos africanos e portugueses.

Elementos com fortes raízes africanos são:

Pilão: A preparação do Xerém á base de milho, acompanhada por música e dança.

Matança: Matança ritual de animais.

Os aspectos religiosos da festa (procissão e missa) têm, porém, as suas raízes em antigas tradições portuguesas. Parte integrante destes eventos festivos são também as corridas de cavalos e torneios, as quais fazem lembrar os torneios entre cavaleiros medievais da Idade Media. Todas estas actividades são acompanhados por ritmos de tambor específicos.

Em Outubro de 2008 tive aulas particulares com o Senhor Valdomiro Dias, o chefe tamboreiro da ilha do Fogo. Durante duas semanas tive a oportunidade de aprender os rudimentos da sua arte e fui também convidado por ele a tocar na próxima festa em Abril. Eu sou o primeiro estrangeiro a ter esta honra tão grande. O meu trabalho com Valdomiro Dias deu origem a um projecto de música interessante, intitulado Estrelas do Fogo, com o qual eu vou sair em turnê pela Alemanha, em Julho de 2009.


Valdomiro DiasTambor

Valdomiro Dias, o primeiro tamboreiro da Ilha do Fogo, assim é denominado o seu título oficial.

Gravado no dia 11 de Outubro 2008.
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Markus Leukel, Emerson Araujo, Michel Montrond

Michel Montrond: cantor, guitarirsta e compositor da Ilha do Fogo,

Emerson Araujo: baixista

Gravado no dia 18 de Outubro de 2008, na Casa Branca (São Filipe)
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